sábado, 16 de janeiro de 2010

Dona Joanita e sua segunda lição: A rua - conto - Maria Melo




Seis meses na faixa branca de brincadeira,
nunca conseguiu dar uma boa chutada no peito de ninguém.
Tinha medo que seus pés se enfiassem no coração de alguém.
e ferisse a ferida aberta e imortal do bem e do mal.

Fugiu,  não queria bater e nem apanhar.
Mas aceitou as três lições que já estavam pagas.
A próxima, era então na rua, inesperada.

Mestre Gavião tinha muito poucas palavras,
um olhar sem definição artística. Uma mímica
antiga e pesada que se compreendia por si mesma.

Dona Joanita esquecia-se de sua condição de aprendiz
e saia pela rua olhando lojas e vitrines,
rostos abandonados naquelas tardes de neblina e frio.

Reparava em tudo, nos passos mudos e vazios,
dos homens seguros, de suas longas e cansativas caminhadas,
em torno de si mesmo, sempre a esmo,
sempre no escuro do mundo.

Encheu sua grande sacola
de sapato, tamanco de madeira pura,
um pesado guarda chuva, todo dia chove,
mais alguns outros objetos, não nomeados,

Subindo a rua, a tona, seus pensamentos,
lado a lado com milhões outros tantos, ignorados,
o que as pessoas pensam enquanto caminham...
se pudessem ser materializados...podia ser a ruina.

Sua bolsa de documentos pendurada no ombro esquerdo,
sem dinheiro, sem nada que importasse realmente,
na mão direita, a sacola de objetos quase se arrastava pelo chão.

Alguém veio em sua direção:
como um vento ruim, grudou na sua bolsa
puxando sem parar... dona Joanita
se aterrorizou... Um roubo a mão desarmada.

Virou noventa graus a sacola para tras
e veio trazendo suavemente para frente,
em câmera lenta, mandou os tamancos de madeira,
bem no meio da cara...do polenta.

O cara caiu de pernas enroladas para o ar,
o fundo da sacola arrebentou-se... abriu
uma parte dos seus pertences,
voou no meu dos carros, sumiu.

Dona Joanita olhou para a rua e os carros,
queria apanhar seus  negócios, cuscou caro,
mas ela era meio covarde, nesta hora,
se aproveitou, o cara caído,
os braços cruzados na cara,
choromingado feito arara,
ela com o guarda chuva,
ainda avançava mais, sobre ele se curvava,
dando-lhe guarda chuvadas...

Foi chegando gente,
-Esta dona está me espancando
com  um pedaço de ferro,
-Ele tentou roubar minha bolsa...
-Não fiz nada por favor , chame a polícia...

A plateia ficou imóvel... Dona Joanita percebeu
que estava batendo num homem indefeso,
parecia um criancinha com medo,
Os olhos aterrorizados do homem
que tentara roubá-la
não eram compatíveis com a imagem do seu espelho.

De repente ela ouviu a sirene. Era a polícia. Ela saiu correndo,
empurrando a multidão, ninguém tentou detê-la,
nem mesmo lhe passou um pernada,
ou braçada. Ela fugiu, o homem ficou caído no chão:

Será que ele vai morrer meu Deus,
Uma tamancada no lugar errado, ou certo, pode matá-lo,
mas quem mandou tentar me roubar...

A verdade é que Dona Joanita hoje prefere
caminhar sobre as águas
do que usar tal tamanco...no seu solado.

Chuta, chuta forte,  meu peito, diz o homem,
isto é carinho, dona
bate, bate mais
a senhora não sabe o tanto que eu apanho,
nem o tanto que eu choro!

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coração

  Quem bate... Uma voz  lá dentro responde: é o coração!