segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Rua do poema amassado
Compra um poema: 1 real. - Não!
Ele enfiava a folha na cara do transeunte,
que se defendia a braçadas..
Moça bonita, compra um poema... - Não, agradeço.
Pelo menos é educada.
Vendo por 2 reais. são meus.
Não quero, desviou o olhar, ele insistiu. Ela mudou de lado.
Senhora, compra um poema... - Não!
Ele a insultou. A senhora não gosta de poesia...
Só gosta de loja,
Não me enoja. Pra senhora cada poema é 10 reais.
Vá comer batata frita que pelo menos, engorda.
Ler faz mal ao cérebro, deixa ocioso
e pretencioso.
Compra um poema, dona, pelo amor do seu dinheiro!
Quanto é... pra senhora 5 reais...
Que barato, compro 2 de uma só vez.
-Vou ler para a senhora escolher.
-De jeito nenhum, quero qualquer um.
A senhora já conhece meus poemas,
seus poemas não, mas o senhor, sim.
Todo dia na rua, vendendo poema.
De onde tira tudo isto,
obá, é uma entrevista...
Sou eu mesmo quem os faço.
-Nossa que gênio.
Ela deu o dinheiro ela pegou duas folhas para ela.
A senhora vai ler...
Não... preciso aliviar minha consciência.
Pegou as folhas e saiu apressada.
Ele a seguiu com os olhos e os passos lentos e desanimados.
No primeiro balde de lixo...
Ela amassou as folhas, separadamente
com uma certa malignidade - sabia que ele estava olhando, às ocultas.
e jogou no lixo.
-Meu poema será maldoso ou ruim...
O dinheiro dela ainda é pior.
Vou comprar dois litros de pinga
e derramar no cérebro ( no meu).
Foi ao bar, seu santuário, mesa de graça
para o pingado... roubava o papel e as canetas,
mas sempre escrevia... nunca ninguém leio.
Os baldes de lixo daquela rua
viviam cheio de seus poemas.
De que adianta cultivar as palavras mais bonitas
e mais suaves, aquelas que enganam e seduzem
e criar aqui neste território, um poemário....
Cultivam cana e tabaco e gosto, gosto demais.
Viver é uma fábula, se alguem contar que viveu
ninguém acredita.
Continuava ele vendendo seu poema...
agora, bêbado, era um horror!
Todos desviavam e mudavam de lado.
O tempo passou ele foi ficando velho,
vivia dos poemas. Ou talvez das folhas em branco
que tantas vezes, vendeu
enganado e enganando...
Já era muito famoso,
conhecido de longe, pelo cheiro da cana.
No mínimo, a vida tem duas caras:
às vezes, uma é boazinha, a outra...! Isto é o mínimo
quase sempre a vida é muito rica
em armadinhas e maliciosaas pegadinhas!
Parte II - O gari
que garilimpava aquela rua ( não garimpava)
com sua vassoura extremamente evoluida
e suas luvas à prova de contaminação,
passou a recolher aquelas bolotas de papel amassado.
Por sorte, o gari era um cara culto.
Leio, em casa, cansado,
Ele ganha pouco, quase não compra livros,
passou a esperar com certa ansiedade
a hora do trabalho
catar os poemas do vendedor maluco.
E foi ajuntando, empilhando, na caixa velha
do velho sapato... na outra caixa , o gari
guardava seu dinheiro...!
E quando mais tempo o vendedor de poema vivesse
mais o gari tinha trabalho e esperança.
Até passou a vigiá-lo pelas ruas,
enquanto trabalhava e algumas vezes,
ele próprio lhe comprou poemas.
A vida de ambos passou logo.
O velho poeta apareceu morto na calçada,
de tanto beber, de tanto escrever,
de um abandono absolutamente inconcebível.
Removeram-lhe o corpo e o espírito.
E teve uma frase final do seu público:
-Vivia pelas ruas desde que eu era criança,
nunca vi ele fazer mal a ninguém...
também nunca li seus poemas...!
O gari aposentado juntou seu dinheiro por longos anos,
fez planos e até milagres: Agora estava se sentindo rico.
sua caixa de sapato tava cheia,
de poesia e de dinheiro.
E o pobre poeta tava morto,
duas razõe boas razões:
Ele morreu. Sofria muito, não sei de que dor...!
provavelmente, de todas as dores mundanas e eternas.
Está de repouso. Espero que o céu lhe seja melhor.
O gari escolheu aquela rua e aquele buteco
onde o bêbado poeta enchia a cara,
O dono desanimado tinha perdido seu melhor freguês...
Eu compro seu bar...disse o gari..
É, pode comprar, mas saiba que não temos
mais bêbados como antigamente,
não vai lucrar grande coisa.
O gari comprou. Fechou o buteco.
e trabalhou não sei quanto tempo, lá dentro.
Reformou, pintou, alisou, por dentro e por fora,
O buteco já era famoso, apesar de ser falido.
Agora todo mundo via que alguma coisa diferente estava acontecendo.
Que será que vai ser ali...
Começaram a pintar lá fora:
CAFÉ COM POEMA!
Abriu finalmente às portas num sábado:
cadeiras limpas e confortáveis, paredes bonitas e intrigantes.
livrinhos em minúsculas prateleiras, por toda parte.
Num lado: Poemaria!
Aqui você entra sem nada e sai com um poema!
Não qualquer poema, mas o poema
amassado e jogado fora. Agora...
faz parte da história.
Compra um poema. Beba com café, coma
com pão de queijo, e beijo de amor
seja feliz.
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